Multiparentalidade – Tema 622 – Prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica.
Por Francisco DSousa, OAB-DF 62.346, Pós Graduado em Direito de Família e Sucessões, Direito do Consumidor, Direito Previdenciário e Direito Penal
A jurisprudência tem se inclinado no sentido de que a paternidade não pode ser vista, apenas sob o enfoque biológico, sendo relevante, também, o aspecto socioafetivo da relação tida entre pais e filhos.
A multiparentalidade foi tese de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal, RE 898060, tendo como relator o Eminente Ministro Luiz Fux, que fixou a seguinte tese: "a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios."
Na avaliação da Suprema Corte, a possibilidade de cumulação da paternidade socioafetiva com a biológica contempla especialmente o princípio constitucional da igualdade dos filhos (art. 227, § 6º, da CF). Isso porque conferir "status" diferenciado entre o genitor biológico e o socioafetivo é, por consequência, conceber um tratamento desigual entre os filhos.
Embora alguns Tribunais venham decidindo pelo reconhecimento da multiparentalidade, tem afastado os efeitos jurídicos àqueles conhecidos como “filho socioafetivo”, o que lhe afastaria, inclusive, de direitos sucessórios.
Tal discussão chegou ao Superior Tribunal de Justiça que, não só garantiu o reconhecimento da multiparentalidade, como também decidiu que o filho socioafetivo deve ter equivalência de tratamento quão aos efeitos jurídicos entre as paternidades biológica e socioafetiva. Pois, se não se der esse tratamento, havia nítida violação ao disposto no art. 1.596 CC/2002:“(Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação)”, e ao art. 20 da Lei n. 8.069/1990 (ECA) (vide art.1.596, CC):
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE. TRATAMENTO JURÍDICO DIFERENCIADO. PAI BIOLÓGICO. PAI SOCIOAFETIVO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer, em sede de repercussão geral, a possibilidade da multiparentalidade, fixou a seguinte tese: "a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios" (RE 898060, Relator: LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-187 DIVULG 23-08-2017 PUBLIC 24-08-2017). 2. A possibilidade de cumulação da paternidade socioafetiva com a biológica contempla especialmente o princípio constitucional da igualdade dos filhos (art. 227, § 6º, da CF). Isso porque conferir "status" diferenciado entre o genitor biológico e o socioafetivo é, por consequência, conceber um tratamento desigual entre os filhos. 3. No caso dos autos, a instância de origem, apesar de reconhecer a multiparentalidade, em razão da ligação afetiva entre enteada e padrasto, determinou que, na certidão de nascimento, constasse o termo "pai socioafetivo", e afastou a possibilidade de efeitos patrimoniais e sucessórios. 3.1. Ao assim decidir, a Corte estadual conferiu à recorrente uma posição filial inferior em relação aos demais descendentes do "genitor socioafetivo", violando o disposto nos arts. 1.596 do CC/2002 e 20 da Lei n. 8.069/1990. 4. Recurso especial provido para reconhecer a equivalência de tratamento e dos efeitos jurídicos entre as paternidades biológica e socioafetiva na hipótese de multiparentalidade. (STJ - REsp: 1487596 MG 2014/0263479-6, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 28/09/2021, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/10/2021 RMDCPC vol. 104 p. 169 RSTJ vol. 263 p. 629)
ALIMENTOS.SOCIOAFATIVIDADE
Como visto, a jurisprudência reconhece a equivalência de tratamento e dos efeitos jurídicos entre as paternidades biológica e socioafetiva na hipótese de multiparentalidade. (STJ - REsp: 1487596 MG 2014/0263479-6, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 28/09/2021, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/10/2021 RMDCPC vol. 104 p. 169 RSTJ vol. 263 p. 629).
E quando não há hipótese de reconhecimento, formal, da miltiparentalidade e a criança que buscar alimentos?
Apenas para reforçar o argumento, já sabemos que o reconhecimento de união estável (CC, art. 1.723), por exemplo, depende, exclusivamente, que seja configurada, entre o homem e a mulher, uma convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
No reconhecimento da filiação socioafetiva, não havendo a voluntariedade do ato formal que se concretiza no registro de nascimento, exigirá do filho para com o pai socioafetivo, a demonstração pública de afeto e cuidado, além da "posse de estado de filho", de forma sólida e duradoura, conforme tem entendido a jurisprudência, cada Vejamos:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE ALIMENTOS - ALIMENTOS PROVISÓRIOS - PATERNIDADE SOCIOAFETIVA - POSSE DO ESTADO DE FILHO - DILAÇÃO PROBATÓRIA - NECESSIDADE. 1. Nos termos do arts. 1.694 e 1.696 do Código Civil, o direito à prestação de alimentos necessários para se viver de modo compatível com a condição social do alimentando é recíproco entre pais e filhos. Como não poderia ser diferente - sob pena de colisão com o art. 227, § 6º, da CF/88 - a lei não diferencia estas relações paterno-filiais, de forma que, em tese, tanto os filhos biológicos e adotivos quanto os socioafetivos têm o direito de receber alimentos e o dever de prestá-los aos pais. 2. O reconhecimento da filiação socioafetiva exige a demonstração da voluntariedade no reconhecimento da relação paterno-filial, sobretudo com expressões públicas de afeto e cuidado, além da "posse de estado de filho", de forma sólida e duradoura. 3. Diante da controvérsia das questões fáticas, revela-se imprescindível a dilação probatória. (TJ-MG - AI: 10000205901358001 MG, Relator: Wagner Wilson, Data de Julgamento: 27/05/2021, Câmaras Cíveis / 19ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 01/06/2021)
Ademais, tem entendido os tribunais, que nesses casos, ambos os genitores serão devedores de alimentos, cada qual respondendo de acordo com as suas possibilidades.
AÇÃO DE ALIMENTOS. MULTIPARENTALIDADE. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. NULIDADE DO PROCESSO. I - Na presente demanda em que se postula alimentos, diante da multiparentalidade, com a existência da paternidade biológica e socioafetiva, concomitantemente, ambos os genitores são considerados devedores em relação ao filho, cada um dentro das suas possibilidades. Portanto, a hipótese é de formação de litisconsórcio passivo necessário. Declarada a nulidade do processo. II - Apelação do réu provida. Apelação do autor prejudicada. (TJ-DF 07040223220218070009 - Segredo de Justiça 0704022-32.2021.8.07.0009, Relator: VERA ANDRIGHI, Data de Julgamento: 16/02/2022, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no PJe : 22/02/2022 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)
DIREITO SUCESSÓRIO
A partir da tese firmada no STF, Tema 622, há prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica. Verifica-se, pois, que os laços genéticos, consanguíneos não são considerados tão importantes, mas sim a valorização e a proteção da dignidade de cada indivíduo.
No direito sucessório, suceder é substituir, tomar o lugar de outrem no campo dos fenômenos jurídicos. Afora o que dispõe o Código Cível sobre o tema, vale ressaltar, que conforme o princípio constitucional previsto expressamente no artigo 227, § 6º da CF “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Com efeito, independente da origem, seja sócio afetiva ou biológica, os filhos de múltiplos pais, terão seus direitos assegurados em relação a ambos, podendo habilitar- se na linha sucessória destes (SANTOS, 2014).
Nesse contexto, é inevitável a compreensão de que filhos de dois pais irão se beneficiar da sucessão de ambos.
Ademais é de bom alvitre registrar que o reconhecimento voluntário de filiação socioafetiva, mesmo tendo o indivíduo registro de pais biológicos, que pode ser realizada em cartórios de registro civil, autorizada pelo Provimento 63 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), de forma que não precisará de autorização judicial, é um caminho sem volta. Não haverá espaço para arrependimentos.
Em Recurso Especial 1.618/RS, ficou decidido, além de outros efeitos jurídicos, o direito a sucessão, assim como no Enunciado 632 da 8ª Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal (CJF), onde restou assegurado que nos casos de reconhecimento de multiparentalidade paterna ou materna, o filho terá direito à participação na herança de todos os ascendentes reconhecidos.
Assim, como ficaria a divisão? O enunciado 642 do CJF, diz que: “Nas hipóteses de multiparentalidade, havendo o falecimento do descendente com o chamamento de seus ascendentes à sucessão legítima, se houver igualdade em grau e diversidade em linha entre os ascendentes convocados a herdar, a herança deverá ser dividida em tantas linhas quantos sejam os genitores.
CONCLUSÃO
Consoante tese firmada no STF, a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, e sendo demonstrada a convivência pública de afeto e cuidado, além da "posse de estado de filho", de forma sólida e duradoura, independe de formalidade, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, ou seja, o indivíduo tem pai biológico poderá ter outro pai, desta vez, por afetividade com efeitos jurídicos próprios, referente a ambos os genitores. De forma que poderá pedir alimentos de ambos, nos termos como vem entendendo os tribunais, bem como participar, igualmente, com herdeiros de mesma linha, em herança.