PODE O CONGRESSO NACIONAL REDUZIR AS PENAS APLICADAS AOS CONDENADOS DE 8 DE JANEIRO?
Por Francisco DSousa - Advogado, pós graduado em Direito Penal e Processual Penal, Direito do Consumidor, Direito de Família e Sucessões e em Direito Previdenciário
Enquanto não se desenrola os Projetos de Anistia aos condenados de “8 de janeiro de 2023”, surgiu uma nova possibilidade de salvar esses condenados, a partir de uma ideia da Ministra Gleisi Hoffmann, que chegou a sugerir Projeto de Lei para reduzir as penas dos condenados, projeto, inclusive, criticado pelo STF.
Sobre essa ideia, e os Projetos de Anistia, discorreremos algumas considerações, sem esgotar os temas.
Primeiramente, vamos definir o que é anistia e quando cabe?
O Código Penal, em seu art. 107, II, aponta que a anistia é uma das formas de extinção da punibilidade. Portanto, declarada a anistia, quem está preso sai, e quem está respondendo, não responde mais.
Regra geral, anistia é perdão em sentido amplo. É um ato do Poder Público que anula condenações e suspende diligências persecutórias.
Pode, nos termos da Constituição Federal, art. 48, VIII, por iniciativa do Congresso Nacional, ter-se LEI tratando de anistia. Isso significa que será um benefício, por meio de Lei Federal, que apaga a pena e todas as suas consequências.
Apenas por amor ao debate, a ANISTIA é por meio de LEI. Diferente de Graça e Indulto.
Embora parecidos. Estes dois últimos serão concedidos pelo Presidente da República, por meio de Decreto (independe de passar no Congresso). A GRAÇA, é concedida a pessoa individual e depende de provocação da pessoa interessada, de qualquer cidadão, Conselho de Sentença ou do Ministério Público. Já o IDULTO é coletivo e não precisa de pedido, podendo ser concedido de ofício.
A anistia, em regra, destina-se a crimes políticos (anistia especial), abrangendo, excepcionalmente, crimes comuns e é dirigida a fatos e não a indivíduos, embora haja anistia condicionada, direcionada a certo condenado.
Um exemplo clássico de anistia vem da Lei nº 6.683/1979, quando foi concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares (art. 1º).
Conforme se depreende do exemplo acima, a anistia abrange todos aqueles que praticaram crimes políticos ou conexos, num período estabelecido em lei, sem qualquer alusão à pessoa. O que importa é o fato. Poderá ser concedida antes da condenação (o que se chama de anistia própria), ou concedida, cujos efeitos só se opera após sentença condenatória (imprópria).
A anistia ainda poderá ser ainda condicionada ou incondicionada, conforme esteja ou não sujeita a condições para aceitação.
Há vários projetos no Congresso Nacional tratando de anistia aos condenados de “08 de janeiro de 2023”. Vamos tratar de dois deles que resumem os demais.
O Projeto de Lei nº 5.064 de 2023, de autoria do Senador Hamilton Mourão (Republicanos/RS), e tendo como relator o Senador Humberto Costa, concede ANISTIA aos acusados e condenados pelos crimes definidos nos arts. 359-L “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”, e 359-M, “Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”, ambos do Código Penal, em razão das manifestações ocorridas em Brasília, na Praça dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro de 2023, primeiro ano do governo atual, Luiz Inácio Lula da Silva.
Conforme se extrai do texto do referido PL 5.064//2023, à anistia só abrange os acusados ou condenados pelos crimes definidos nesses dois artigos 359-L e 359-M do CP, de forma que, condenações por outros crimes, como de dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa, porventura ocorridos em razão das manifestações, não serão alcançados pelo referido Projeto de Lei.
Já o Projeto de Lei nº 2.852/2022, de autoria do deputado federal Vitor Hugo (PL/GO), se aprovado como está no texto, concede anistia a qualquer cidadão que tenha participado de manifestações em qualquer lugar, e em qualquer estado da federação, ou que venha participar até o dia de entrada em vigor do referido projeto, caso vire Lei. A anistia será a partir de 30/10/2022.
O PL 2.852/2022, abrange qualquer tipo de infração penal, crimes políticos ou com estes conexos e eleitorais, até a publicação da Lei (oriunda desse PL), exceto crime contra a vida, contra a integridade corporal, de sequestro e de cárcere privado.
Também prevê o PL 2.852, que ficam anuladas todas as multas aplicadas pela Justiça Eleitoral, ou Justiça Comum, às pessoas físicas e jurídicas em decorrências dos atos de manifestações.
Por fim, o referido PL confere anistia a todos que tiveram restrições de direitos de quaisquer naturezas ou finalidades impostas pela Justiça Eleitoral ou Comum em decorrência de processos ou inquéritos de qualquer forma relacionados com as manifestações e, em especial, as que se voltem contra a livre manifestação do pensamento, a imunidade parlamentar quanto a opiniões, palavras e votos, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, em entrevistas, em debates, em apresentação de programas jornalísticos, nas redes sociais e outros veículos publicados na rede mundão de computadores, ou em qualquer meio. Artigo este que, provavelmente, tornaria elegível o ex-presidente Bolsonaro.
DO PROJETO DE REDUÇÃO DE PENA
Não obstante a discussão dos Projetos de Anistia, foi-se cogitado um Projeto de Lei, visando reduzir penas dos condenados de “08 de janeiro”, cuja manifestação contrariou o STF.
Assim, pode o Congresso Nacional reduzir pena dos condenados (conforme foi sugerido pela Ministra Gleisi-PT) pelos crimes de “08 de janeiro de 2023?” Pode Sim!
Contudo, não será atingido somente estes condenados. Haverá de ter uma “mine reforma” no Código Penal, colacionando todos os artigos que foram enquadrados os condenados e reduzi penas de todos dos dispositivos. De forma que, não serão atingidos só os condenados de “8 de janeiro”, mas todos os indivíduos, independentemente, dos condenados de “08 de janeiro”, que serão beneficiados, por ser lei nova mais benéfica.
Isso porque, não cabe ao legislador fazer dosimetria de pena, mas tão somente determinar pena mínima e pena máxima, para determinado dispositivo penal, dentro de um padrão de razoabilidade, para cada crime, ficando a critério do Juiz, com base no caso concreto, art. 68, c/c art. 59 do CP, aplicar a legislação penal e determinar a pena para cada indivíduo.
Assim, um Projeto de Lei que venha tentar salvar os condenados de “08 de janeiro”, terá eficácia erga omnes, ou seja, com aplicação para todos. Isso porque, ao legislar sobre a matéria, o Congresso Nacional terá que reduzir penas mínimas e penas máximas. Nesse sentido, estaria o Congresso Nacional dando nova redação aos referidos artigos, tornando-os mais benéficos. E, por esse viés, a lei mais benéfica retroagirá para beneficiar o réu, independentemente, de trânsito em julgado. Essa garantia é Constitucional, prevista no art. 5º, XL da CF, que assevera: XL – “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
Poderá, também, reduzir pena de apenas dois artigos do CP: art. 359-L “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”, com pena mínima de 4 anos, e máxima de 8 anos; e art. 359-M, “Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”, com pena mínima de 4 anos, e máxima de 12 anos.
São estes crimes que pesaram e pesam nas condenações daqueles indivíduos enquadrados no “08 de janeiro”.
Puxemos como base, os crimes aplicados a Débora Rodrigues dos Santos, que ficou conhecida por escrever na estátua do STF, a expressão “perdeu mané”.
DÉBORA RODRIGUES DOS SANTOS fora condenada à pena de 14 (quatorze) anos, sendo 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção e 100 (cem) dias-multa, cada dia multa no valor de 1/3 (um terço) do salário mínimo, pois incursa nos artigos: 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), do Código Penal, à pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão; 359-M (Golpe de Estado) do Código Penal à pena de 5 (cinco) anos de reclusão; 163, parágrafo único, I, III e IV (dano qualificado) todos do Código Penal à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção e 50 (cinquenta) dias-multa, fixando cada dia multa em 1/3 do salário mínimo; 62, I (deterioração do Patrimônio tombado) da Lei 9.605/1998, à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, fixando cada dia multa em 1/3 do salário mínimo; 288, parágrafo único, (associação criminosa armada) do Código Penal à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão, além de condenações pecuniárias, que não é nosso foco.
Considerando que a condenação superou os 08 anos ( art. 33, § 2º, alínea “a”, CP) fora determinado o regime fechado.
Não é dito na decisão, mas a princípio, inicialmente em regime fechado, mesmo porque a Lei nº 7.210/84, garante a progressão de regime, saindo do mais gravoso para o menos gravoso, depois de cumprido determinado quantum da pena.
Conforme se apura das manifestações partidárias, sobre esse caso, é dito que Débora “pegou” 14 anos, apenas por escrever a expressão “perdeu mané”. Mas, não foi bem assim.
Para se chegar a este quantum (14 anos), na visão do STF, Débora cometeu vários crimes, dentre os quais, aqueles mencionados no Projeto de Anistia, arts. 359-L, com pena de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e 359-M, com pena de 4 (quatro) a 12 (doze )anos.
Nesse particular, estes artigos foram incluídos no Código Penal, pela Lei nº 14.197 de 2021, no governo Bolsonaro.
Assim, seguindo a regra Penal, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido (art. 69 do CP). De forma que, para cada crime (cinco cometidos: (Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito, art. 359-L do CP; Tentativa de Golpe de Estado, art. 359-M; art. 163, I, III e IV – dano; 288, parágrafo único – associação criminosa; art. 62, I, da Lei 9.605/98, Deterioração de patrimônio tombado) foi determinado uma pena, que somadas (concurso material), restou nos 14 anos, sendo 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de reclusão; e 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção e 100 (cem) dias-multa, cada dia multa no valor de 1/3 (um terço) do salário mínimo.
Desse modo, conclui-se que, havendo Projeto de Lei que vise diminuir as penas dos condenados de “8 de janeiro de 2023”, não cabe ao Congresso Nacional a fixação de pena para cada indivíduo, senão apenas, fixar, para cada crime, pena mínima e pena máxima, ou abolir tais infrações penais (abolitio criminis).
Em havendo PL que altere, em benefício, os art. 359-L e art. 359-M, do CP, haverá nova dosimetria da pena com fixação de pena final, de modo a mudar, por exemplo, o regime inicial de cumprimento de pena. Se tornada a pena definitiva até 08 anos, o regime é o semiaberto; se tornada definitiva até 4 anos, o regime é o aberto.
Considerando que no Brasil não há estabelecimento próprio para cumprimento de pena em regime aberto, há possibilidade de transformar em prisão domiciliar, ou mesmo, a depender de cada caso, ser aplicado o sursis, que é a suspensão da pena (art. 77 do CP).
Concluindo:
Se houver PL para reduzir pena, acredita-se que será nesses dois artigos, pois basicamente só atingirá os condenados de “08 de janeiro de 2023”.